Estereótipos de Género na Infância: de onde vêm, para onde queremos que vão

  • Por CompletaMente
  • 05 mar., 2022

Texto por Patrícia Santos,Investigadora em Sociologia, sócia-fundadora do Atelier 3 – eu, nós e o mundo

O meu filho escolheu uma história na biblioteca do bairro e sentamo-nos para a ler. Até que, inquieto, disse-me “mãe, não posso estar neste banco!”. O banco era rosa e ele tinha dois anos. Outras histórias serviriam de exemplo. Como quando um jardineiro municipal tinha de ser umA jardineirA por ter o cabelo abaixo dos ombros. E a questão é: onde foi ele buscar estes padrões? Estas características e comporta-mentos que generalizam o que mulheres e meninas, homens e meninos devem ser ou fazer (Cardona et al., 2009) são os chamados estereótipos. Segundo Nogueira e Saavedra (2007: 13), o seu objetivo é “simplificar e organizar um meio social complexo”. No entanto, recorrentemente reforçam os papéis tradicionais implicados na sociedade em que vivemos.  Os estereótipos de género são das primeiras crenças a ser formadas nas crianças. As crianças aprendem a viver em função do seu género e isso influencia a sua perceção acerca dos homens e mulheres, mas também de si próprias (Marchão & Bento, 2012). No contexto português de um jardim-de-infância, Márcia Lopes (2015) verificou que “as crianças evidenciam vários estereótipos de género relativamente às cores, às brincadeiras, às tarefas realizadas pelos homens e pelas mulheres, bem como, aos brinquedos” (p.ii).

Nos discursos e nas práticas, em casa, na escola, na rua, com a família, com amigos, com educadores, professores, 

auxiliares e até desconhecidos, os meninos podem e devem ser fortes (“os meninos não choram”) e as meninas podem e devem ser frágeis (“pareces uma menina”).

As cores e os brinquedos também são separados por género a partir de um receio qualquer. Para desconstruir esses conceitos e criar uma sociedade mais solidária e respeitadora há muito a fazer. A boa notícia é que, se estas crenças podem ser iniciadas e reforçadas na infância, é também nessa fase da vida que podemos promover outros padrões nas próximas gerações.

A escola tem um papel muito importante nesse sentido. Um estudo de 2017 de Shutts e colegas, publicado no Journal of Experimental Child Phychology, comparou crianças de 3 a 6 anos de idade de escolas tradicionais na Suécia com uma escola onde o género não é levado em consideração nas práticas e no ambiente. Verificou-se que as crianças desta escola são menos susceptíveis de adquirir conceitos estereotipados do que é masculino e feminino. Este e outros estudos mostram que os comportamentos que supostamente diferem entre meninos de meninas não são naturais ou biológicos, são sim c u l t u r a i s. As estratégias que promovem a igualdade passam por referências e atitudes que valorizam ambos os géneros (Nunes, 2009). A organização da escola e da sala - os objetos, as imagens, as cores das paredes,... – assume um papel considerável. Mais importante ainda é a atenção de educadores, professores e auxiliares “ao que dizem as crianças, (...), questionar os motivos que condicionaram as suas escolhas e os seus comportamentos” (Cardona, et al., 2009: 69).


Mas a escola é apenas um dos espaços sociais em que as crianças vivem e convivem. Em casa e em família também devemos contribuir para ampliar as possibilidades e as oportunidades de concreti-zação pessoal das nossas crianças – que sejam FELIZES! As ações individuais têm um enorme potencial. Comecemos pela reflexão acerca das nossas próprias crenças, palavras e comportamentos e, depois, aventuremo-nos na mudança. Seguem-se alguns exemplos práticos.  Brincadeiras e brinquedos sem distinção. As crianças têm o direito a aprender sobre qualquer tema, realizar qualquer atividade e brincar com qualquer brinquedo. Limitá-las, além de contribuir para a manutenção das desigualdades entre homens e mulheres, restringe o seu desenvolvimento infantil. 

Os brinquedos tradicionalmente destinados a meninos tendem a desenvolver mais as capacidades espaciais e conceitos numéricos, ao passo que brinquedos marcados como “femininos” estimulam mais frequentemente competências de sociabilidade e de cuidado com o outro (ver Brown, “Parenting Beyond Pink and Blue – How to Raise Your Kids Free of Gender Stereotypes”, 2014).

Palavras sob medida. Procure respeitar a opinião e a forma de ser de todas as pessoas. Comentários (ou piadas) sexistas que colocam alguém num lugar de inferioridade não contribuem para construir um ambiente em que os direitos de cada um - seja homem ou mulher, criança ou idoso - são respeitados. A maioria das crianças tem uma inclinação natural para a empatia, por isso, é deixá-las ser. Utilizar pronomes neutros e evitar usar diminutivos para descrever as meninas ou as suas ações também ajuda.


Este artigo faz parte do Volume 3 da Revista CompletaMente, leia a versão online completa aqui.